Percebi muito precocemente na vida que são o acaso e as contingências muito mais que as escolhas que fazemos que determinam quem somos, visão esta compartilhada pela psicanálise. O que me fez concluir que tenho sido até então bem sortuda.
Minhas origens
Me chamo Ana Laura Moraes Martinez. Nasci em Sorocaba, cidade do interior de São Paulo, numa família modesta e batalhadora da classe popular, o que me possibilitou compreender, desde cedo, que vida é luta.
Além disso, herdei a inteligência do meu pai, o que me fez gostar desde pequena de estudar, embora curiosamente ele próprio nunca tenha me incentivado a isso.
Sendo assim, o papel de incentivadora e mantenedora financeira dos meus estudos coube à minha mãe, algo muito comum nas famílias de classe baixa brasileiras.
Graças à ela, consegui cursar o segundo e o terceiro colegial no Anglo, tendo alguma chance de realizar meu sonho que era ingressar na USP. Algo quase impossível para alguém como eu, que havia estudado desde criança em colégios públicos, numa época em que o Estado já havia abandonado a educação pública e ainda não havia programas de cotas para estudantes pobres.
Foi no Anglo a primeira vez que experimentei de forma aguda o desprezo que os ricos têm dos pobres e o quanto os anos de colégio público tinham me deixado terrivelmente defesada em relação aos outros. Para compensá-la, precisava estudar dez, vinte vezes mais.
Ingresso na universidade
Mas como todo esforço quase sempre se coroa de êxito, meu sonho se realizou. No ano de 1999 ingressei na USP, no curso de Psicologia de Ribeirão Preto. Foi certamente o dia mais feliz da minha vida.
Permaneci na Universidade de São Paulo, que me acolheu como um segundo lar, por onze anos. Cinco de graduação (1999-2003), dois de mestrado (2004-2006) e quatro de doutorado (2008-2011).
O encontro com a psicanálise
A identificação com a psicanálise ocorreu logo nos primeiros anos de graduação a partir do contato com os textos de Freud em uma disciplina chamada Teorias da Personalidade I.
Lembro-me de ter sentido um enorme alívio por encontrar alguém que tinha sido capaz de formular coisas que eu sempre intui sem nunca conseguir expressar.
Pensei na ocasião: “Meu Deus, acho que finalmente achei o que nasci para ser”. Acho que isso se chama afinidade espiritual, uma coisa que não se escolhe com quem ou o que vamos ter. Até hoje sinto isso com Freud.
A partir dali soube que a psicanálise seria meu céu e meu inferno, assim como a pintura o é para o pintor, a música para o músico e a palavra para o poeta. Coisas tão reais e ao mesmo tempo tão evanescentes como borboletas amarelas que se tornam feias assim que se tenta capturá-las.
Passei doze anos deitada em um divã como paciente, trabalhando arduamente os aspectos doentios da minha personalidade e aprendendo o que é, de fato, psicanálise, com suas zonas de indefinição sempre desconcertantes.
Nesse aspecto, tive novamente a sorte de encontrar uma analista chamada Cora Sophia de Toledo Piza Schroeder Chiapello, com quem compartilhei a afinidade com Freud e o gosto pelas coisas verdadeiras e profundas, buscadas sem concessão.
A clínica
Minha identificação com a psicanálise era tal que no mês seguinte à minha formatura, a primeira coisa que fiz foi comprar um divã e as Obras Completas de Freud, em prestações a perder de vista. E como eu acho que os pacientes percebiam esta minha obstinada convicção no método, acabou que nunca fiquei sem eles.
Uma experiência muito rica que tive nesse sentido foi ter atendido por quatro anos, na abordagem psicanalítica, funcionários de empresas, sobretudo, motoristas e cobradores de ônibus. Pessoas que não faltavam à uma sessão e que me ensinaram muito.
Estes atendimentos eram parte de um projeto social criado por um homem muito interessante chamado Eduardo, que me contratou exclusivamente para cuidar da saúde mental das pessoas.
Paralelamente a isso, mantive desde o início meu consultório privado no qual já estou por quase duas décadas, atendendo adolescentes e adultos e brasileiros expatriados.
A escrita
Comecei a exercitar minha escrita em um blog sobre psicanálise, criado em 2009, de onde resultou meu primeiro livro publicado pela editora IELD em 2011, Crônicas do cotidiano pelo olhar da psicanálise. Eram textos despretensioso em que expunha minhas ideias sobre temas diversos.
Depois, veio uma fase em que comecei a escrever pequenas estórias de onde resultou meu primeiro romance, chamado Eu, Clarice, inspirado em minha própria história, que concorreu à um prêmio literário do SESC em 2015.
Mas minha profunda veneração pelos grandes literatos, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Tolstói, Victor Hugo, Thomas Mann, Dostoiévski e tantos outros, que estou constantemente lendo e relendo, e minha percepção de que não sei criar personagens que não sejam eu mesma, fez-me desistir da empreitada. Cada qual nasce com sua vocação e a minha, infelizmente, não é fazer literatura.
De todo modo, tenho notado transformações na minha escrita nos últimos anos, o que me deixa feliz.
O ensino
Herdei do meu pai a vocação para o ensino. Certamente é uma das coisas que me dá mais prazer.
Comecei a dar aulas logo depois de formada nos cursos técnicos de programação e contabilidade dos colégios Advance Plus e Senai, onde ensinava Relações Humanas para salas lotadas de gente batalhadora que trabalhava o dia todo.
Depois, consegui aulas no ensino superior. Primeiro em cursos de Administração de Empresa e Contabilidade da faculdade Logatti, na cidade de Araraquara. E só muitos anos depois em cursos de Psicologia, primeiro na Unicastelo, na cidade de Descalvado, e por fim, na Barão de Mauá, na cidade de Ribeirão Preto.
Com o passar do tempo fui me sentindo frustrada como professora, pois a necessidade de dar muitas aulas não me dava o tempo que eu julgava necessário para prepará-las, o que eu só consegui realizar muito mais tarde, restringindo minhas atividades de ensino à cursos de Pós-Graduação e aos meus grupos de estudo.
Assim, atualmente ensino Freud em meus grupos de estudo semanal, que já dura oito anos, e desde 2017, no curso de Especialização em Teorias e Técnicas Psicanalíticas do Instituto de Estudos Psicanalíticos (IEP), como professora convidada do módulo Introdução à Obra de Freud e no Centro de Estudos da Psicanálise de Ribeirão Preto (antigo “Curso de Extensão Suad Haddad de Andrade”), dois lugares onde sou sempre recebida com muito carinho. Destas atividades, extraio enorme prazer.
Além disso, também me dedico às supervisiões em psicanálise aos terapeutas que atendem pacientes na abordagem psicanalítica.
Finalizando, se o sentido da existência humana é não desencontrar-se em demais consigo mesmo, julgo que tenho tido êxito nisso.
Para um currículo mais formal, acesse o meu currículo lattes.